Portugal, o pequeno gigante.
Por Mike Taylor
Artigo publicado em Revista Brick Investments Portugal, by Juliana Prats.
Portugal, para quem fala espanhol como língua nativa, pode parecer uma cena diferente... um vizinho desconhecido, uma extensão breve e distante.
Porém Portugal é um pequeno gigante! Impressiona ver como um espaço territorial relativamente modesto, contém uma diversidade “enorme”, especialmente quando falamos de eno-gastronomia. Portugal é fascinante, e cada uma das suas regiões, oferece produtos únicos, com personalidade e sabores definidos, e que representam o espirito lusitano.
Pessoalmente, sempre soube que um dia moraria em Lisboa, e que aqui seria feliz.
Maktub! Estava escrito nas estrelas do meu firmamento...
Falemos de vinhos
Segundo a Wines of Portugal, a terra de José Saramago, conta com vinte e sete denominações de origem controladas... Nada mal!
Visto de longe, poderíamos pensar que uma simples divisão em três partes já resolve uma parte da abordagem. Mas nada é fácil... e tudo vale a pequena se a alma não é pequena!
O Norte
Espumantes e tranquilos, doces ou secos, brancos, rosados ou tintos... No norte de Portugal há vinhos para todas as ocasiões.
O Douro vinhateiro – nordeste de Portugal – foi declarado pela UNESCO, património mundial da Humanidade.
Pelas águas do Douro... encontramos vinhos brancos, rosados e tintos, potentes, encorpados, secos ou doces; e fortificados, na “invicta” cidade do Porto, e em Vila Nova de Gaia. Aqui fala-se inglês... Taylor’s, Nieeport, Symington... and etcétera!
Agora o rio é o Minho, e estamos no nordeste. Aquihá fascinantes vinhos que são chamados de “verdes”, com “agulha”, ou seja uma leve carga de gás carbónico, e frescor... são vinhos ideais para todos os tipos de climas e momentos.
Uma observação: o nome de “vinho verde” vem do século XIX e fazia referência não só à paisagem verde minhota, senão porque os vinhos antigamente eram feitos com uvas que não atingiam a maturação fenólica ideal (ou seja estavam verdes!), e até 1946 a lei portuguesa dividia os vinhos em “verdes” e “maduros”. Muita coisa mudou nestes últimos duzentos anos... a enologia, as técnicas agrícolas, o conhecimento, e hoje temos uma realidade climática bem diferente. Hoje os vinhos da região são deliciosos e campeões de vendas, nacional e internacionalmente.
Távora e Varosa são rios e ficam no Noroeste, e a região produz boa parte dos espumosos do pais de Amália Rodrigues.
O Centro...
A Região Centro integra as denominações de origem Bairrada, conhecida pelos seus tintos bravos. O Dão que não para de surpreender com seus vinhos longevos, sejam brancos e sem estágio em madeira, ou tintos muito complexos. Atenção: se procura vinhos profundos, que falem de tempo, eles estão no Dão.
Beira Interior tem nada menos que a Serra da Estrela... Clima muito agreste, solos graníticos e xistosos, grande variedade de brancos, rosados e tintos e vocação exportadora...
E chegamos ao “porto seguro” em terras Olissiponas. A capital portuguesa é uma das cidades mais antigas de Europa. Os Fenícios já a conheciam como “Allis Ubbo”, e os gregos achavam que tinha sido criada por Ulisses. Os Tartessos a chamaram de Olissipo, e os romanos muito práticos, de “Municipum Cives Romanorum Felicitas Julia Olisipo”.
A região vitivínicola de Lisboa oferece uma diversidade única, com nove denominações bem diferentes, e muita reestruturação nas vinhas e adegas. Hoje encontramos propostas de vinhos de alta gama que não param de colher prémios internacionais.
Os vinhos de Bucelas, sejam tranquilos ou espumosos, são deliciosos, minerais, frescos, potentes. Um nome: Quinta da Romeira.
Colares oferece brancos instigantes... e tintos que parecem ter um pacto com Dorian Grey, eternos. E atenção ao Pinot Noir e Chardonnay desta região... Outro nome: Casal Santa Maria
Lourinhã elabora aguardente vínica de alta qualidade. E o prestigio de Carcavelos se recupera com seu complexo vinho elaborado em Oeiras. Belo trabalho de resgate da memória e tradição da Villa Oeiras.
O Tejo
A atividade vitivinícola do Tejo não é nova. Circa 2,000 a.C, o povo dos Tartessos, trouxeram a vinha e o vinho ao território que hoje conhecemos como Portugal, e poderia neste dia, escrever vários artigos só desta região. Aqui encontramos espumosos e tranquilos, secos ou doces, brancos, rosados e tintos. Aqui fala-se de campo, bairro e charneca.
Rumo ao Sul
“...Volto as costas às luzes brilhantes da cidade mãe
Sou sombra impiedosa do apego a quem já não se tem
Sei que ao fim desta estrada há uma casa que suponho ter
E a vontade indomável que teima em me querer perder...”
Rumo ao Sul, fado de Jorge Fernando (cantado genialmente por Ana Moura)
Península de Setúbal
Não posso deixar de declarar o meu amor ao Moinho de Maré da Mourisca, localizado na Reserva Natural do Estuário do Rio Sado... um lugar cinematográfico, onde comi umas ostras “Hors Concours”, para mim foi toda uma “Découverte”. Acontece que Setúbal é bonita por todos os ângulos.
A região elabora os mundialmente famosos Moscatéis de Setúbal, e especial destaque para o Moscatel Roxo, e seus agradáveis vinhos brancos, rosados e tintos.
O Alentejo
“...O Alentejo é uma terra
Cheia de moças airosas
Pr'a passear à tardinha
Alentejanas e amorosas...
O Alentejo é um jardim
Plantado de flores vistosas
Do malmequer ao jasmim
Alentejanas e amorosas”
Alentejanas e amorosas, cantiga de Vitorino
Quem sabe por ouvir tanto o Vitorino, fiquei com essa ideia bucólica do Alentejo... com as suas planícies imensas, e o seu clima quente e seco no verão, que originam brancos leves e tintos com estrutura de peso pesado. Vinhos que marcaram história, como o Pêra Manca (pedra manca ou oscilante), cuja origem remonta à idade média, e foi esse vinho que o Pedro Álvares Cabral transportou em suas naus quando chegou ao Brasil em 1,500.
Algarve
Esta região já viu passar árabes, visigodos, romanos, fenícios, e já viu os monarcas serem intitulados Rei de Portugal e dos Algarves. Hoje vê passar turistas a procura do sol e do bom clima a beira-mar. Os seus vinhos vão dos brancos aos tintos, passando pelos rosados e finalizando em licorosos.
Madeira e Açores
Vinhos dos Açores, vinho heroico.
As nove ilhas que formam o arquipélago dos Açores tem condições climáticas verdadeiramente pouco favoráveis à vitivinicultura. Por isso as vinhas devem ser implantadas em locais abrigados pela natureza ou pelo homem, como são os casos dos “currais”, pequenos muros de pedra que protegem cada vinha do vento e da maresia. Atenção ao trabalho do enólogo António Maçanita, com vinhos brancos impecáveis.
In Madeira we trust
Sempre digo que os Estados Unidos da América são um país singular, e isto deve-se ao facto de terem brindado a liberdade em 4 de julho de 1776, com vinho da Madeira. Isso só poderia ser um bom sinal, um bom augúrio. Outro bom augurio é o Cristiano Ronaldo ser de “Madeira” boa.
Aqui os vinhos são fortificados e envelhecidos com sistemas únicos... e afirmo que só se atinge o “paraíso” quando bebe-se um vinho centenário da Madeira. Já bebi um Sercial da Blandy’ s de 1860
E para finalizar, direi que os vinhos portugueses realmente são encantadores... Porque contam um passado e lutam pelo futuro, e porque são elaborados com uvas muito particulares (Portugal tem mais de 300 castas autóctones), e com nomes, muito lusitanos, e muita sinonimia (é a relação entre palavras de significado semelhante), assim como por enólogos brilhantes.
Santé...
Sommelier Mike Taylor