E se puder pagar a renda de casa com uma Garrafa de Vinho?
O que está por trás do preço da sua garrafa de Vinho?
Originalmente publicado no Semanário O NOVO - Out 23
O Vinho é um dos produtos alimentares mais fascinantes, que gera mais paixão, histórias, cultura, que envolve milhões de pessoas em todo o mundo, mas é também dos mais controversos e polémicos. Gera conflitos entre agricultores como temos agora entre Espanha e França, entre famílias, entre ex casais famosos como Brad Pitt e Angelina Jolie. Nem todos os conflitos têm os mesmos motivos, uns é porque se cobra pouco, outros é porque vale muito, outros por paixão.
Mas o que tem isto a ver com o preço do Vinho, com a formação do preço do Vinho, com a indignação que o preço de alguns Vinhos gera. Seja por serem baixos de mais ou seja por serem altos de mais. Fala-se em preço justo, para o Vinho, mas se nem a Justiça consegue ser Justa em tantos casos, nem cega em tantos outros, será que vamos conseguir chegar ao preço justo para cada Vinho que chega ao mercado?
Fala-se muito do mercado do vinho, mas na verdade existem vários mercados que coexistem, assim como diversos segmentos de produtores e de consumidores. Se há Produtores que atuam nos vários segmentos, desde o Bag in Box aos Vinhos Premium e Ultra Premium ( e aqui não é o que está escrito na garrafa, mas sim relativo ao posicionamento), na maior parte dos casos os Produtores acabam por estar mais próximos de um segmento ou de outro. E acontece o mesmo nos consumidores, podendo sair da sua faixa habitual, mas o normal é que se mantenham dentro de alguns parâmetros, podendo sair para ocasiões especiais.
Antes de avançar para a construção do preço, é importante perceber que o Vinho não é só um alimento, não é só um liquido, é para muita gente um sinal de pertença, de status, de cultura e muito mais. E não é visto em todos os países da mesma forma, se há países como Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e outros em que o Vinho está sempre à mesa, há outros em que é tido como um bem importado, de luxo.
E, como qualquer produto num mercado livre, o vinho é regulado pela lei da oferta e da procura, e não necessariamente pelo que é considerado justo ou injusto. Daí o melhor sinal se o preço foi bem definido, é a velocidade a que a Adega do Produtor, o armazém do importador e distribuidor, as prateleiras da garrafeira e o stock do restaurante esvaziam. E não é só no ano de lançamento, é ano após ano, colheita após colheita. E atenção que esvaziarem-se demasiado rápido, sendo sempre melhor que não se esvaziarem, também siginifica na maior parte dos casos, má precificação. Mas o preço não é o único responsável do sucesso ou insucesso, aliás, acho que só é responsável por uma parte do sucesso.
Mas vamos então ao preço do Vinho, e porque é que tantas vezes temos Vinhos mal precificados, que ou não se vendem ou se vendem demasiado rápido.
Afinal, como se constrói o preço Vinho, ou deveria construir o preço do Vinho?
Fatores intrínsecos do Vinho, quanto custa aquele Vinho em concreto, o que foi necessário, tratamentos na vinha, mão de obra, meios mecânicos, transportes, vindima, adega, processo de envelhecimento como barricas, tempo até chegar ao mercado, garrafa, rótulo, cápsula, caixa,etc.
Aqui não esquecer por exemplo o Designer que faz o rótulo, dependendo da qualidade do designer e do número de garrafas, pode ter um peso mais ou menos relevante no preço do Vinho.
Depois temos o investimento que já foi feito, aquisição da propriedade, plantação, conservação e manutenção da propriedade, maquinaria, adega, etc… estes investimentos muitas vezes andam na casa dos milhões de Euros.
Temos também a mão de obra, não só a envolvida diretamente naquele Vinho, como Engenheiro Agrónomos, Viticultores, Enólogos, Trabalhadores da Vinha, Adegueiros, internos e externos, como consultores para Produzir de forma mais sustentável.
Neste momento, pode estar a questionar-se como conseguiu comprar um vinho por 2 euros.
Tem-se falado muito de Rugby em Portugal no último mês, e no Rugby há uma frase que podemos aplicar ao Vinho: Os avançados decidem quem ganha o jogo, os três-quartos (defesas) decidem por quanto.
E no Vinho é parecido, a Produção decide se temos um bom Vinho para entregar ao cliente, o marketing e as vendas são decisivos no quanto se vai vender.
Então além dos custos de investimento, dos custos de ter uma empresa a funcionar, temos ainda os custos de Marketing e Vendas.
É preciso que se gere desejo, interesse e que se percepcione valor, e isto é trabalho do Marketing e depois é preciso que o Vinho chegue aos pontos de venda, e que os pontos de venda estejam bem preparados para vender o Vinho. Isto é trabalho de Marketing e Vendas, em conjunto, como devem sempre andar.
Será que acabou? E a agência de comunicação? E a publicidade paga? E o site?
E as feiras, e os eventos e as garrafas abertas em promoção?
É um excel comprido e claro que conforme a organização, estrutura e volumes produzidos tem fatores e ponderações diferentes. Mas não se esqueçam que tudo isto entra no preço do Vinho.
Mas será que ficámos por aqui? Até aqui temos algo razoavelmente tangível e que com margens certas nos daria um preço que seria justo relativamente ao custo e à operação das empresas.
Sim, mas isso seria olhar para metade da equação, e talvez a menos importante para o consumidor. O consumidor quer saber o que o produto lhe oferece, no caso o Vinho.
E podem ser muitas variáveis e desejos, pode ser a companhia do dia a dia para uma refeição, pode ser um veículo de história e cultura, pode ser uma fotografia no Instagram, pode ser uma boa figura com os amigos ou colegas de trabalho, pode ser uma conquista pessoal, pode ser uma aspiração. Pode ser investimento, pode ser colecionismo. E isto não é igual para todos, um Vinho de 600 Euros para mim é muito, para outras pessoas poderá ser normal. É uma questão de carteira e de prioridades.
Tanta coisa que o Vinho pode dar ao consumidor, também pode dar só uma valente dor de cabeça no dia seguinte ( cada vez menos!) Mas mesmo assim, cuidado!
As Garrafas de Vinho mais caras de sempre, pagariam muito mais que uma renda, comprariam ótimas casas, mesmo com os preços em alta, temos garrafas vendidas quase a um milhão de Euros.
Se formos ao site da Garrafeira Nacional, temos vinhos tranquilos a mais de 20.000 Euros, Portos a mais de 6.000 Euros, e se formos para sites internacionais, não é difícil encontrar preços mais altos.
Será que estes Vinhos custaram muito mais a produzir que outros, certamente poderão ter custado mais, não sei quanto, nem ninguém saberá exatamente o custo exacto de cada garrafa com todos os fatores que devem ser ponderado, só os Produtores e mesmo assim muitos não sabem.
Vamos então ao que realmente faz do Vinho um produto especial e diferente de quase todos os outros alimentos, o que faz do Vinho uma obra de arte e um produto de luxo.
É o seu valor imaterial, é a sua história, a cultura, o desejo que gera no seu público. É o poder da Marca e isso pode ser criado através de anos e anos de história, de consistência de mercado. Ou pode ser criado através de extraordinárias estratégias de comunicação, marketing e vendas. Não me compete julgar, nem julgo, observo com admiração e espírito de aprendizagem um e outro método.
Fica a reflexão: será que aqueles que hoje têm uma vasta história e conseguem vender a preços elevados não tiveram, em algum momento, uma excelente estratégia de comunicação, marketing e vendas?
Não temos que consumir todos os mesmos Vinhos, temos opções para todos os gostos, seja na carteira, seja no palato. E sim há muitas opções com excelente palato, para carteiras “nacionais”.
Então tudo somado temos muitos fatores que “justificam” o preço do Vinho, e parece-me estranho que haja indignação havendo tanta opção com preços diferentes, mas para tantos consumidores. De indignar é o preço da luz, da água, das telecomunicações, do pão, do leite, da gasolina, da saúde e da educação.